• Direito Público e Regulatório
07/jan/2021
Cordeiro
Aspectos da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – PL Nº 1292/1995 e PLS 4253-SF

No dia 10 de dezembro de 2020 o Senado Federal aprovou, em votação unânime, o Projeto de Lei nº 4.253/2020, com a finalidade de se estabelecer uma legislação geral para regular as contratações públicas, de forma unificada, em substituição da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 8.666/93), Lei do Pregão (Lei Federal nº 10.520/2002), Decreto do Sistema de Registro de Preços (Decreto Federal nº 7.892/2013) e Lei do Regime Diferenciado de Contratações (Lei Federal nº 12.462/2011). 

Sua aplicação se dará no âmbito das contratações da Administração Pública Direta e Indireta, com exceção das empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como subsidiárias destas, que continuarão sujeitas à Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016). 

Quanto a sua vigência, essa se iniciará na data de publicação da nova lei, o que significa que não haverá período de vacância.

No que tange à vigência das leis supramencionadas, com a evidente finalidade de proporcionar maior segurança quando da aplicação da nova lei, no que diz respeito ao planejamento de implantação da norma pelos gestores públicos, o projeto estipulou o período de 2 (dois) anos de convivência entre a nova lei e as anteriores, sendo que, após esse prazo, as leis que integram o regime antigo serão definitivamente substituídas, revogadas. 

Muito embora o texto do projeto ainda esteja pendente de sanção presidencial, já é possível verificar sensíveis reformas em matéria de licitações e contratos administrativos, as quais serão abordadas uma a uma em momento oportuno, com esclarecimentos sobre as alterações e inovações da nova lei que está por vir.

Neste primeiro momento serão tratadas as principais alterações acerca dos procedimentos licitatórios aos quais estão sujeitos a Administração Pública.

Senão vejamos.

1. Inversão nas fases de licitação como regra.

Pelo regramento vigente da Lei Federal nº 8.666/1993, o procedimento básico adotado é o seguinte:

Publicação do edital -> habilitação -> classificação das propostas -> homologação -> adjudicação

Pelo Projeto de Lei, haverá a inversão entre a fase de “habilitação” e a “classificação de proposta”.

Trata-se de procedimento já aplicável às licitações na modalidade de Pregão e no Regime Diferenciado de Contratação (RDC). Com a inversão das fases, somente a empresa com a proposta classificada em primeiro lugar deverá apresentar a documentação de habilitação, passando então a comprovar o atendimento das condições previstas no edital.

Tal alteração visa garantir uma maior agilidade no procedimento licitatório, vez que somente será analisada a documentação de uma única empresa (aquela que apresentou a melhor proposta), não havendo mais a necessidade de rubrica e conferência da documentação apresentada por todos os participantes.

Caso a empresa primeira colocada seja inabilitada, deverá ser examinada a habilitação da segunda classificada e assim sucessivamente.

2. Mudança nas modalidades de licitação. A nova modalidade “Diálogo Competitivo”.

A Lei Federal nº 8.666/93 traz 06 (seis) modalidades de licitação, quais sejam: (i) concorrência, (ii) tomada de preços, (iii) convite, (iv) concurso, (v) leilão e (vi) pregão.

Com as alterações propostas pelo PL, haverá o estabelecimento de 05 modalidades, quais sejam: (i) pregão, (ii) concorrência, (iii) concurso, (iv) leilão e (v) diálogo competitivo.

Assim, nota-se a exclusão de 02 (duas) modalidades: o “convite” e a “tomada de preços”, que já eram pouco utilizadas.

Sem dúvida, a principal novidade sobre o tema é a inclusão do “diálogo competitivo” dentro das modalidades de licitação.

Essa modalidade já é adotada na União Europeia e tem como principal objetivo superar algumas dificuldades enfrentadas pela Administração Pública nas contratações de objetos complexos e inovadores.

O diálogo competitivo é de fato uma modalidade de licitação que liga a estruturação do projeto com a concorrência para sua contratação. Nesse viés, pode-se comparar esta nova modalidade com o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que é previsto na lei específica para concessões de serviços públicos.

No entanto, enquanto o PMI é realizado antes do certame, o diálogo competitivo dá-se durante o procedimento licitatório, com a abertura de interlocução (“diálogo”) entre os licitantes. Após o diálogo, inicia-se a fase competitiva.

Ainda, o diálogo competitivo, diferente do PMI, garante que o certame ocorrerá, o que traz maior segurança aos interessados que apresentarem suas técnicas e soluções para a execução do objeto.

3. Implementação de modos de disputa na fase de lances

O modo de apresentação de preços, aberto (de conhecimento público) e fechado (sigiloso), já era previsto na fase de lances no RDC e nas licitações envolvendo empresas públicas (Lei das Estatais – Lei Federal nº 13.303/2016).

A novidade é no sentido de possibilitar que os modos de disputas aberto e fechado possam ser usados isoladamente ou de forma combinada também nas outras modalidades licitatórias.

A forma combinada desses dois sistemas, é denominado modo híbrido. Nesse modelo, a apresentação de preços é realizada em mais de uma fase do certame, conforme descrição do exemplo abaixo.

Por exemplo, um modo de disputa fechado e aberto: todos os licitantes apresentam seus preços em propostas fechadas, após abertos os envelopes, serão convocados um número pré-definido de licitantes para realizar uma próxima disputa de lances (similar ao que ocorre no pregão presencial atual).

Por último sobre este ponto, vale destacar que há casos que a modalidade adotada é determinada por lei. Nos casos de licitações de menor preço ou maior desconto, é vedado a utilização do modo fechado de maneira isolada, permitindo somente o sistema híbrido.

Outro caso de modalidade de lances obrigatórios, ocorrerá em licitações cujo critério for técnica e preço, das quais não poderão adotar o modo aberto de lances.

4. O orçamento sigiloso

Pelo regramento atual da Lei Federal nº 8.666/1993, a Administração já define previamente a composição de preço do objeto do certame, portanto, orçamento estimado envolvido. Este orçamento consta expressamente no instrumento convocatório.

O orçamento sigiloso é quando a Administração não indica propositalmente o orçamento estimado no instrumento convocatório, tal figura já é prevista em situações determinadas pela Lei Federal nº 12.462/11 (Lei do RDC) e pela Lei Federal nº 13.303/16 (Lei das Estatais).

Pela sistemática do orçamento sigiloso, os licitantes devem elaborar suas propostas a partir de seus próprios custos e expectativas de lucratividade, e não baseados desde logo em um preço de referência estimativo dado pela Administração Pública.

Pelo novo marco legal, o orçamento sigiloso deverá ser medida adotada de forma justificada e apenas se tornará público após a fase de julgamento da proposta.

A novidade, portanto, consiste em estender para outras modalidades de licitação este método de precificação, que não parte mais de referencial público, mas da própria linha de produção ou custo de serviços dos licitantes.

5. Novos critérios de julgamento

Pelo regramento atual, os critérios de julgamento das propostas são esses: (i) menor preço; (ii) melhor técnica ou conteúdo artístico, (iii) técnica e preço, (iv) maior lance, no caso de leilão.

Sobre o tema, o Projeto de Lei, prevê dois novos critérios, quais sejam: “maior desconto” e “maior retorno econômico” (MRE), para serem adotados em todas modalidades de licitação.

O critério MRE já é utilizado em contratos de eficiência, nos quais a sua principal característica é a forma de remuneração variável de acordo com a eficiência do contrato.

Em resumo, a mudança proposta pelo Novo Marco Legal amplia a utilização da contratação por eficiência para além da modalidade de RDC.

6. Projeto executivo como requisito obrigatório.

Pela disposição atual, a Lei Federal nº 8.666/1993 exige apenas o Projeto Básico para iniciar a licitação. O Projeto Executivo, que traz especificações da obra, poderá ser elaborado após o contrato assinado.

A consequência prática da ausência de obrigatoriedade do Projeto técnico são as constantes necessidades de aditivos contratuais e incremento de despesas públicas originalmente previstas, uma prática reiterada envolvendo execução de contratos públicos.

A previsão no Projeto de Lei, é no sentido de evitar a maior exposição de aditivos contratuais e litígios sobre recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, e a consequentemente mudanças no valor global do contrato.

7. Conciliação, mediação, dispute boards e arbitragem

Os meios adequados de resolução de conflitos já são formas adotadas pela Administração Pública e já estão previstos em legislação infralegal.

Considerando que não se trata de uma inovação legislativa, a menção expressa desses institutos pelo Projeto de Lei, carrega o sentido de apresentá-los como meio adequados para resolução dos conflitos, até mesmo, como meios preventivos de conflitos.

Na busca pela mitigação de conflitos envolvendo contratações públicas e complexas, que que surge a imagem do dispute boards.

O dispute boards é uma prática internacionalmente exercida em contratos de execução de longa duração de engenharia.

Sua composição se difere da figura de um julgador ou de julgadores, como são os casos de Tribunais Arbitrais e órgãos recursais pelo Poder Judiciário. No dispute boards, existe a composição de um comitê, em regra, por três experts independentes, que serão responsáveis por analisar situações possíveis de litígio. A atuação é focada na prevenção destes, por meio de pareceres emitidos pelo Comitê durante a execução contratual.

Sendo assim, a previsão em lei nacional, representa um incentivo a esse possível modelo de solução de conflitos, que se mostra como uma alternativa benéfica aos interessados que buscam fugir dos litígios judiciais.

8. Implementação de termos técnicos.

Na Lei Federal nº 8.666/1993, não há designação de terminologia específica para o servidor responsável pela licitação.

Na redação do PL, é prevista a terminologia “Agente da Contratação”, que será utilizado para designar o responsável pela condução do certame. Esse profissional continuará contando com uma equipe de apoio, que poderá ser terceirizada.

Na modalidade pregão, mantém-se a figura de do pregoeiro.

Sobre utilização de termos técnicos, a nova Lei de Licitações trará uma breve explicação de termos, siglas e conceitos utilizados ao longo de seus artigos, o que facilitará a compreensão do leitor, principalmente daqueles menos familiarizados com a área de compras públicas.

9. A Realização de Audiência e Consulta Pública

A legislação atual não prevê formalmente a realização de audiências ou consultas públicas com interessados para tratar sobre licitações.

O atual PL formaliza as ferramentas de audiência e consulta pública e as suas utilizações, como forma de garantir maior transparência dos atos da Administração Pública.

10. Criação de Plataforma online de licitações

Atualmente, não há um portal eletrônico que trate de compras e licitações de todos os entes federativos, de maneira unificada. Essa pode ser considerada uma importante ferramenta para garantir a eficiência, a padronização e transparência dos procedimentos licitatórios.

Há a previsão de implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). O objetivo da plataforma é criar um cadastro unificado de licitantes e divulgar informações sobre certames.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o exposto até então representa as principais modificações trazidas pelo Projeto de Lei aprovado no Senado.

O que se pode observar é que o legislador nacional visou, basicamente, conferir maior celeridade ao processo licitatório e garantir a eficiência no âmbito da Administração Pública.

Vale ressaltar que o Projeto de Lei foi encaminhado ao Presidente da República, para análise da sanção ou veto. Portanto, verifica-se que a discussão sobre essa matéria não está finalizada, na medida que ainda há a possibilidade de Chefe do Executivo Nacional vetar total ou parcialmente o projeto.

A equipe do Cordeiro, Lima e Advogados acompanha de perto as mudanças relacionadas a essa matéria e se coloca à disposição para eventuais interessados.